sábado, 7 de novembro de 2009

Referência

Como, como, como...
Sempre procuramos uma comparação.

Desse modo,
Assim como a águia voa,
Como uma águia,
E a água escorre,
Como, apenas, água,
Escrevo como poeta;
Não porque o seja,
Já que tudo é relativo,
Mas apenas porque sinto.

Noturnidade

Estou à espera
Do que sei que não vem.
Nessa circunstância
Bebo plácido taças de vinho;
Oiço, sereno,
Chuva que cai calma
Aprendendo, com ela,
Calma que quero;

Sôo, sorvendo do silêncio,
O ambiente propício à espera,
Dando a meus desejos
A forma elegante da noite
Translúcida em seus reflexos,
Pelos quais atravesso-me
Por inteiro, e ponho-me
A mim, cabal,
À disposição de um contentamento,
Satisfeito por ter-me sereno.

Sempre

Divagar, e sempre.
A inconstância
De tão presente
Perde-se em sua
própria definição.

Estar inconstante
Seja qual humor for;
Seja alegre,
Seja triste,
É sempre variável,
E sempre, sempre,
A qualquer lugar,
Estar, indiferente;

Porque estar inconstante
Faz da inconstância
Constante sempre.

Portanto sejamos,
Nem assim nem assado.
Sejamos, sempre.

Vento

O vento singra os ares
Chegando-me como um leve sono
Do qual evolam adoráveis eflúvios.

Toca com delicada sutileza os sentidos da brumosa noite,
E deixa que o oiça e que o toque
Porque a ele é da sua própria essência
Deleitar-se pela noite nemorosa.

Ao encontrar em seu trajeto qualquer algo que lhe dificulte a passagem
Sussura palavras em uma língua distante.

Faço desmedido esforço
Abstendo-me de pensar
Porque compreendê-lo torna-lo-ia quase humano
E por assim dizer,
Insuportavelmente desinteressante.

Essa língua incompreensível tem uma sensualidade desumana.

Se me entrego por inteiro ao seu encontro
Posso sentí-lo deslizar em derredor do corpo.
Nos ouvidos, tão próximo,
Faz-me confissões.
Preenche-me com sua inquietude.

Sublimação

Por longe vai, pois
a eternidade amanhece,
e o canto da ternura,
inebria o homem que nasce
no novo dia:

Via da vida,
Pão da brisa, poesia.

Paixão ébria

O temperamento vem do clima curitibano:
-instável.

Pois bem,
sou assim;
tenho minhas paixões,
e pena de mim...

Oh!, vida!
Tu que és tão forte;
sobrevives ao ódio,
ao tédio,
e ao homem.

E o que dizer daquela tristeza,
aquela que bate quando bebemos sozinhos?

Por consolo,
e só por isso,
parece fácil acreditar
seja o momento
de suave
embriaguez;
Bom se fosse:
- sempre há uma pequena a bater forte no peito.

E o corpo cede,
desacreditando do amor.

Noção de espaço

Escrevo em letras miúdas,
Bem apertadas,
Porque o guardanapo é pequeno,
E a inspiração nem tanto.

Há de haver um equilíbrio
entre o que o poeta escreve
e a dimensão do mundo.

Hoje entendo a relevância da função social da metáfora no senso poético.

Metacrítica

Aludo-me como referência biográfica.
De quem mais posso dizer
Com alguma segurança
Sobre o sentir do viver?

Conhecer-se. Ei-la, a questão.
E no-la parece simples...
Decerto porque estamos acostumados,
Severamente acostumados,
A ver o próprio rosto
Enxergando os defeitos
Como nódoas do espelho.

Custa-me bramir em silêncio.
A disfarçar olhares.
Conter palavras,
Omitindo versos.

Aludo-me como referência biográfica.
Como não falar de mim mesmo?

Pela experiência
Sói acumular erros
Desmembrar palavras
Absurdar coisas simples.

Optar.
Quais as opções,
Senão viver contemplativo,
frente ao espelho
Ou viver, simplesmente viver,
Viver como vivem os animais,
Que jamais se enxergariam
frente ao espelho?

Hoje

Haicai I – sem movimentos

Quero tantos dias vagos
Quanto eu possa permanecer neste estado:
- vegetal.

Haicai II – iluminado

A vida me incomoda nos dias de sol;
Preferiria jamais abrir os olhos
Nos cerúleos amanheceres do vasto mundo.

Haicai III – desiludido

Fumaça sobe cinza
Vida escorre passageira
Eu homem vive: vê-se-mo.

Haicai IV – som

Lauto lábaro lasso
Aflige e se entrega
Sonante: soa.

Haicai V – silêncio

Lustral vazio
Calha à solitude
Limpa-se a alma.

Galhos

Avoila um galho seco
E nada de folhas que dele caiam.
Só o galho
E eu a olhar,
A galhardia do galho e o vento.

Tem demais em comum
Coisas da natureza
E coisas do homem.

Da natureza,
Em épocas certas folhas nascem
Flores desabrocham
Rios enchem
Sob a claridade do céu azul.

Do homem,
Há tempo de risos
Espairados pela gratuita alegria
Como acontecem lágrimas
Obscurecidas pelo que é do homem,
Sentimento.

Fluem-se natureza e homem.
Vão-se juntos,
Tristonhos e alegrados,
Unidos pela vida.

Humor

Ninguém ouvirá meus pessimismos;
Tudo que tenho de ruim em pensamento,
Como pensamento meu padecerá, sujeito à
Toda alternância que a variação do meu
Temperamento pode proporcionar.

Ebriedade

Não há angústia que
Após uma cerveja
Melhor se exprima para
No que tardar
Virar tristeza.

Garrafa vazia

O homem beija o cálice já vazio,
Na esperança de encontrar um pouco mais
Do seu lenitivo néctar;

Transido, mal consegue afastar os lábios
Das bordas da taça esgotada; a ilusão
De haver mais do que sorver,
Impele sua vontade
À expectativa de um desfrute
Ausente.

Preguiça

Velejo sempre pelo mar mais calmo.
O que dá trabalho, sempre cansa
Mais que o necessário.

Se tenho dois olhos,
Deles um sempre a descansar,
Enquanto o outro observa a pasmaria.

Quando vago no tempo,
Aconselham-me as ditosas calmas –
E assim olho o que me aprouver de olhar.

Seleciono as maravilhas que me caem,
Como se fossem, elas todas, ao cair,
Folhas vivas duma árvore a jazer.

Quedar-me nesta pia calmaria:
Qual a condição que a mim me assegura,
A dádiva vulgar de ser e de apreciar o que é?

Silenciono-me, perspicaz, e afoito,
Porque adoro, e tanto, neste
Meu nada, um altaneiro
Ser.

Ao trabalho

Quando passado o portão do prédio,
Imagino próximo o fim do tédio:
- mas este não tem remédio.

Anoitecer

Contemplava da varanda tudo aquilo que me prende ao Universo.

As árvores balouçando
Um poldro a correr alegre
Uns bois a pastar.

Sorvia assim a dádiva de viver
Vagando entre reflexões e impressões sobre as coisas que gosto
Quando veio-me cristalina sensação de frio.

O ocaso punha o Sol a escondido,
Estugando a marcha do tempo
no momento em que os sons da noite se projetavam no campo,
Impondo aos pássaros o repouso e o aconchego de seus ninhos.

Gostava daquele jeito de não ter controle sobre o dia e a noite
Que naquele dia era especial porque trazia o frio.
- a natureza oportuniza muitos prazeres.

A lenha se amontoava sem ordem nos fundos da minha casa.
Cada pedaço de madeira que juntei para preparar o fogo
Era um pedacinho de calor
Era uma réstia da luz que o ocaso levara
Dava-me às mãos algo como uma bênção
Um modo de ter em casa
Quando noite
Pelo menos um pouco da luz e do calor do dia ausente.